Há muito que a noção de Arte nossa coeva se autoproclamou em contradição com os pensadores, poetas, autores e artistas românticos. Esta é, no entanto, uma perceção ilusiva de quem agora somos (culturalmente) e uma negação da forma como o Romantismo introduziu nas artes aqueles fatores socioculturais que tão bem nos caracterizam pois a autoconsciência, o perspetivismo, o ceticismo, a fragmentação e a iconoclastia (e também estas melancolia e desilusão política modernas tão características do nosso ser atual) manifestaram-se primeiramente neste fenómeno cultural introduzido por Novalis, autor do qual parto para esta breve exposição definitória da estética romântica.
Novalis, pseudónimo de Georg Friedrich Leopold, Freiherr von (barão de) Hardenberg, nasceu na reta final do século XVIII numa Alemanha prenhe de novidades sociais e culturais sínteses de uma nação em transição para um novo modelo social que coloca o individual em primeiro plano fazendo-o reflexo de um idealismo filosófico que externa a supremacia da imaginação subjetiva. Os primeiros textos que publicou, em 1798, foram breves fragmentos literários nos quais condensa conceitos filosóficos (essencialmente) abstratos recorrendo a uma linguagem fortemente poética. Estes seus fragmentos tornam-se, assim, momentos sublimes – e Sublime é um conceito perenemente ligado ao Romantismo enquanto concretização de uma comunicação sentimental entre o sujeito criador e o sujeito fruidor de uma (qualquer) obra de arte – de introspeção, de exame minucioso de um eu interior que, em oposição ao todo clássico seu antecessor, abre as portas a uma (inovadora) análise alargada do lugar do homem neste mundo.
Pense-se, por exemplo, àquele autorretrato de Casper David Friedrich em que o pintor tão bem transforma a paisagem que observa em síntese biográfica espiritual e física. Este Caminhante sobre o mar de névoa (1818) evoca um momento de contemporaneidade entre a autorreflexão e beleza da paisagem natural, uma beleza que perde aquela que sempre foi a sua forma precisa e definida para se redescobrir em “tudo o que é longínquo, mágico, desconhecido” [Eco (2005), p.303], em tudo o que está para lá das agrestes escarpas daquelas montanhas, escondido no jogo de curvas sombrias do nevoeiro que as percorre. Serão estas curvas as linhas de que nos fala Novalis? Note-se que o único aceno a uma qualquer verticalidade é a postura linear de Friedrich (cuja compostura perfeita me faz retornar à ideia de autorreflexão), sendo toda a paisagem formada por um movimento de repetição que flui na relação entre o nevoeiro e as escarpas/montanhas que exprime, na sucessão fragmentária de cores, um (impreciso) ritmo de expressão visual.
Este (impreciso) ritmo expressa-se também na música de um compositor que romântico não foi. Beethoven compôs uma intensíssima Groβe Fuge (op.133, 1825) que, não vendo de imediato reconhecida a sua grande modernidade, contém as condições essenciais para se definir romântica: a imprevisibilidade do movimento rítmico, a alternância entre serenidade melódica e um (quase) desarmónico tumulto musical, a repetição intrínseca da fuga como reflexo de intertextualidade que se expressará nas estéticas sucessivas.
Este breve aceno a este grande compositor encerra em si aquela que é revelação fundamental da geração romântica: a impossibilidade de unificar as características objetivas da coisa tida como bela e a subjetividade do juízo de gosto. E é esta perene divergência que Novalis recomenda, a quem deve ainda enunciar a sua mensagem, que o faça na “forma mais suportável da incompletude” (Barrento [2006], p.43) – o fragmento.
Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.
Este artigo foi escrito no âmbito da unidade curricular “Correntes Estéticas Europeias” da licenciatura em Humanidades da Universidade Aberta (Lisboa, Portugal).
Bibliografia
BARRENTO, João, “O que resta sem resto. Do ensaio ao fragmento”, in O Género Intranquilo, Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, pp.61-77.
ECO, Umberto (dir.), “A Razão e a Beleza”, in História da Beleza, Difel, Miraflores, 2004/05, pp.237-273.
ECO, Umberto (dir.), “O Sublime”, in História da Beleza, Difel, Miraflores, 2004/05, pp.275-297.