Porque choram os miúdos?
Porque choram os miúdos?!
Eu sei lá!
Olha, a minha filha ontem fartou-se de chorar. Por causa de uma bolacha.
Mas não era uma bolacha qualquer, não senhora. Não, não. Não era por nenhuma daquelas 38 bolachas, 14 meias bolachas, 8 quartos de bolacha e centenas (sim, estou certa que eram centenas e centenas e centenas) de minúsculas migalhas de bolacha que ela me obrigou a tirar da dispensa.
Desesperada. Em lágrimas soltas. E ranho, também. Daquele que ela nunca te deixa limpar porque, claro, é dela.
Como era dela a bolacha. A tal bolacha.
Descobri, depois de duas horas de gritos (e lágrimas soltas e ranho, também) que o que ela queria era aquela bolacha (Maria, soube eu esta manhã) que lhe deu a educadora no infantário. A do infantário. A que tinha caído no chão. E que, portanto, tinha ido para o lixo.
Pois é…
A minha filha chorava por uma bolacha Maria.
Tínhamos oito na dispensa. Inteiras, por sinal.
Mas isto é porque chora a minha filha.
Já essa miúda que está aí à tua frente, ao colo da mãe, enquanto tu procuras, frenética, pelos auscultadores do teu Android enrolados (algures) no fundo da tua mala… Eu sei lá!
Certo que ela escolheu um dia péssimo para se pôr aos gritos, mas o que sabe a pequerrucha de enxaquecas e outras maleitas da idade adulta?
Já encontraste os auscultadores? Ótimo! Vês como tudo se resolve? E o telefone? Não olhes para mim. Não fui eu que o atirei à pressa para dentro da mala à saída do escritório.
É bonita.
A mala, claro.
É uma coisa a sério ou foi comprada na Feira do Relógio?
Hey… Calma… CALMA!
Não te ofendas, rapariga, que eu já percebi que isso foi comprado no 190 da avenida da Liberdade.
Olha, parece que a garota se acalmou um bocadinho… Ou talvez não.
Claro que a mãe dela sabe que ela está a chorar.
Não, a senhora não é insensível ao teu sofrimento. Nem à birra da filha. Mas o que queres que ela faça? Que lhe dê uma boa razão para chorar? Olha que a palmada não vai resolver nada. Lá dentro da cabeça da miúda existe uma ótima razão para chorar e a marca vermelha da mão da mãe naquela coxa tão rechonchudinha só vai criar mais desnecessária aflição.
Acredita em mim.
Ui, ui…
O que é isso? Estás a descalçar o sapatinho? Não faças isso, Cinderela, que depois na confusão da saída do metropolitano perdes a bela da décolleté.
Doem-te os pezinhos?
Ohhhh…
Eu sei.
Mas diga-se em abono da verdade que o contrato assinado às três da tarde valeu bem o futuro Hallux valgus.
O que estás a ouvir? A sério?! Essa deprime-me. Com todas as canções de desamor que canta até me espanta como é que os fãs não se suicidam nos concertos. A sério! Sim, eu acho-a mesmo deprimente. Achas que é a melhor coisa para ouvir no caminho para casa? Eu cá sempre fui muito mais Rock…
Olha, olha, mais uma paragem e podes descer. Acaba-se o sofrimento. Que bom!
Vais para casa, tomas um banhinho cheio de espuma (a miúda que está à tua frente também), comes uma bela sopinha (a miúda que está à tua frente também) e depois relaxas em frente à televisão (a miúda que está à tua frente também).
Ela vai ver a “Princesa Sofia” aconchegada no colo da mãe.
E tu?
Bem, mas sozinha não tem piada.
Olha aqui uma ideia: podias telefonar à tua mãe. Há quanto tempo não a vês? Podias levá-la ao Mercado da Ribeira a petiscar qualquer coisa.
Está na moda.
Já a imaginaste a contar às amigas que foi comer ao sítio daquele da televisão? Sim, o chef. Aquele magrinho de barba. O da televisão! Lembro-me lá eu do nome! Sabes há quanto tempo é que eu não estou aí?
OK. Não queres estar com a tua mãe, não estejas.
Celebra o contrato sozinha esta noite.
Chegaste!
Eh lá!
Foi só levantares-te e a garota parou logo de chorar.
Já ouviste que tranquilidade?
Olha, eu lá sei porque choram os miúdos…
A minha chorava só por uma bolacha…
Porque choram os miúdos
